quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Saindo da Casca

Ela acordou, bela e feliz como sempre. Espreguiçou gostoso e colocou seus delicados pés descalços no chão. Uma gota de sangue caiu, e ela se assustou. De repente, se sentiu diferente. A camisola cor-de-rosa, comprada pela mãe, já parecia estranha em seu corpo. Aliás, todo seu guarda-roupas parecia estranho.
Ela se vestiu com uma daquelas peças e lavou o rosto. A antiga garota parecia ter sido deixada na pia do banheiro. Pegou sua chave, e decidiu dar uma volta na rua. Parou no salão, cortou o cabelo bem curto, num estilo bagunçado que combinava bem com seu espírito. Foi à feira hippie e gastou mais algum dinheiro comprando coisas exóticas.
Chegou em casa, a mãe gritou. Onde estava a menina pura e perfeita? Havia ficado para trás. No quarto agora um incenso exalava um odor relaxante. As calças jeans deram lugar às saias indianas, e o quarto de princesa se transformou numa morada de duendes.
Ela se sentia mais feliz. A plenitude que ela nem se deu conta de estar sentindo falta a dominou. Ela finalmente estava saindo da casca. Já não se preocupava mais em manter as aparências de menina angelical diante da família e dos amigos, e tampouco estava quebrando regras somente para atingir quem quer que fosse. Aquela era ela de verdade, e seria daquele jeito que as pessoas que realmente se importavam deveriam amá-la.

domingo, 27 de janeiro de 2008

A ilha

Ele era em si mesmo uma ilha, cercada de pessoas por todos os lados. Acordava com sua irmã dormindo em seu quarto porque o dela estava frio demais. Depois, onde quer que fosse, não conseguia ter um único momento onde pudesse ficar a sós com suas viagens e paranóias.
Ele sempre achou que aquilo o fizesse muito mal. É chegado um momento em que você não consegue mais guardar a explosão interna que te consome. E como ele não a possuía, ela passou a constrangê-lo. O chamavam de louco porque ele falava sozinho e criava seus personagens com os quais gostava de conversar às vezes.
Decidiu sair. Fora de casa, ele tinha mais liberdade. Ela não o acompanhava, por isso queria a todo custo fazê-lo sentir sua falta. Na rua, as pessoas não prestavam tanta atenção. Ele se sentia melhor. Procurava também pelos amigos, que não o cobravam e julgavam tanto. Mas faltava ela.
Se rebelou. Decidiu que faria o que precisasse, a todo custo, para tê-la. Começou lenta sua busca. Inicialmente, ele só queria se sentir bem. Sabe aquela história de não se reconhecer? Sim, sim... Era ela (ou melhor, a falta dela) uma das que mais contribuíam para que isso continuasse a acontecer. Mas ele se decidiu a lutar. Como demoraria para encontrar com aquela que mais lhe fazia falta, ele queria simplesmente começar a se ver em seus reflexos. Num momento de paz, deitou-se sobre o rio, deixando a água tomar conta dos seus pensamentos. E ali, naquele pequeno momento, a privacidade o encontrou e o motivou, fazendo ele se sentir pleno e leve para continuar sereno em sua busca.
Ao voltar para casa, entrou em seu quarto, o trancou e dormiu. Quando abriu os olhos, a porta já não estava mais trancada. Ele olhou para ela, virou para o lado e fechou os olhos novamente. Pelo menos em seus sonhos, ela estava mais próxima e real.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Mergulhando

Imagine-se mergulhando nas mais profundas águas. Consegue sentir a sensação de estar imerso num mundo só seu, onde não existem problemas e tudo é tranqüilo e fácil? Assim acontece com as músicas quando nós as ouvimos com um objetivo específico. Coloque um fone de ouvido, ligue aquela música que parece ter sido escrita para você e viaje. Mergulhe e sinta a sensação de que não existem problemas.
A letra envolve seu corpo e a melodia parece te arrastar no mar da solidão e do esquecimento. Mas é disso que precisamos às vezes, não resta dúvida. Principalmente quando falar não é a opção. Quando tudo parecer difícil, escute uma boa música. Mergulhe em seu interior. Por mais rápido que o alívio seja, terá valido à pena.
Você terá feito acontecer. Seus sentimentos farão valer à pena. Prepare-se para chorar, rir, gritar, cantar como se fosse o melhor cantor do mundo. Extravase. Ou mergulhe na melodia do silêncio, se ela te faz melhor. O quão bom ou não pode ser um sentimento, depende apenas de como você o utiliza. Auto-ajuda? Não.... Auto-reflexão, talvez.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Era um garoto...

Ele estava tão confuso que não saberia explicar onde começavam suas dúvidas. Tudo o que se podia imaginar o estava incomodando. E ele mantinha seu sorriso externo. Todos os que o conhecessem de uma maneira superficial o julgariam uma pessoa plenamente feliz, e que carregava sua felicidade para espalhar entre os outros.
Um olhar mais profundo revelaria alguém mais imerso em complexidades. Ele não era nem estava feliz. Ele estava confuso. Confuso por não ter coragem para se rebelar. Confuso porque o que ele fazia não o agradava, e ele não fazia nada para mudar. Confuso, porque ele se sentia mal e não conseguia expressar.
Ele queria conseguir chorar, gritar. Ele queria agir. Faltava alguma coisa que ele julgava ser coragem, e talvez o fosse. Às vezes ele se via forçando uma música melancólica que pudesse transmitir a ele o que ele queria sentir. Mas como alguém pode querer sentir melancolia? Ele queria, embora também não tivesse a resposta para essa pergunta. Seu mundo era complicado demais, e ele não se encaixava.Talvez faltasse se olhar no espelho e se enxergar. Mas ele não se via. Ele não era o que gostaria de ser. Se se mirasse no espelho, talvez visse uma sombra. A sombra o olhava sorrindo, e ele partia para mais um dia igual a todos os outros.