quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Diálogos mudos

Prestes a ir embora de casa, ele decidiu parar e fazer compras. Não gastaria muito dinheiro, seria mais uma terapia à base de chocolates e alguma coisa que o distraísse, fazendo o tempo passar mais depressa. Sacolas nas mãos, ele partiria.
Antes, porém, ele teria que passar mais quarenta demorados minutos sentado no ponto de ônibus. No céu, as nuvens diziam que choveria a qualquer momento. Ao redor, o vazio da solidão. Mas isso não o incomodava, ele até gostava de se sentir sozinho. Entretanto, pouco a pouco surgiram aqueles que o acompanhariam na viagem de volta à casa. Ele pensou por um momento o quão estranho era dividir o mesmo veículo, partindo para o mesmo destino, com tanta gente que talvez ele nunca mais visse na vida. E decidiu parar com os devaneios.
Na verdade, ele decidiu apenas tentar não divagar mais. Mas um segundo depois já estava analisando seus companheiros de viagem. Havia uma senhora, por volta de seus cinqüenta anos. Ele não entendia o motivo de ela estar esperando o ônibus. Com certeza, poderia pagar e partir de táxi, e ele não cogitava a hipótese da senhorinha viajar de ônibus por puro prazer.
Uma conhecida chegou e o distraiu. Trocaram algumas palavras. Ela não parecia o tipo de garota que freqüentava shoppings centers. Se bem, pensou ele, que o xadrez estava na moda. E ninguém resiste a um bom McDonalds. A terceira menina, que chegaria pouco depois, era a personagem mais intrigante daquele ponto de ônibus. Indescritível. Peruca roxa, camisa de retalhos, uma luva verde ocupando todo o braço, provavelmente feita de uma roupa velha. Calça surrada, grudada, com botões gigantes. Num pé, uma sandália rasteirinha. No outro, um sapato com no mínimo 10cm de salto. Meias daquelas coloridas, listradas. No pescoço, um cachecol feito de um saco de cimento. Sem falar no adereço mais ousado: uma chapa de radiografia da coluna de alguém estava pendurada em suas costas, como uma espécie de capa.
E ela não parecia louca. Era, aliás, muito bonita. Obviamente, a senhorinha a olhou torto. A conhecida parecia estar se divertindo com ela de alguma forma. E ele a achou interessante, até mesmo atraente. Repentinamente, outra moça chegou ao ponto, falando alto no celular e fumando com espalhafato. A menina da peruca gentilmente forrou o banco, que estava molhado, com uma sacola plástica, e o ofereceu para a moça do celular, que num primeiro momento recusou, mas logo depois sentou para continuar conversando ao telefone.
Quando ela finalmente desligou o aparelho, duas amigas chegaram, tão eufóricas quanto ela. Conversaram alto, falaram sobre festas, sentaram no colo uma da outra, trocaram beijos e riram muito. Ele achou uma delas muito interessante. Talvez fosse mais atraente se fosse mais discreta, mas não perdia o encanto por ser "extrovertida".
A menina da peruca acabou cedendo lugar para as três amigas e indo sentar próxima à conhecida dele, que acabou puxando assunto. A senhorinha permanecia em pé, próxima a ele. E ele agiu com a perícia que sabia ter. Aproveitou cada chance para trocar olhares com aquela que tinha despertado interesse nele. E ela retribuiu os olhares. Depois de muito tempo, o ônibus finalmente chegou. Ele se acomodou num dos primeiros bancos, perdendo o contato visual com a musa. O ônibus partiu e eles desceram no mesmo ponto. Acontece que há pessoas a quem os olhares parecem satisfazer. Ele seguiu seu caminho, e ela, o dela, e eles nunca mais se viram.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

É sempre uma mentira

Ele era mais um iludido com a vida. Contaram pra ele, vejam só, que se podia confiar nas pessoas. E que ele teria amigos, e seria feliz. Que bastava que ele estudasse, teria um futuro digno. Disseram que o amor chega pra todo mundo. Que se ele fosse uma pessoa agradável e cativante, as coisas seriam mais fáceis... Chegaram ao cúmulo de mencionar que ele deveria tratar as pessoas como gostaria de ser tratado. Pois bem.
Mais de uma vez na vida, ele se decepcionou. Porque as pessoas nos decepcionam, é natural. Mas isso não tinham contado pra ele. E ele se decepcionou mais uma vez, com as mesmas pessoas. E aí, é claro, ele começou a se chatear. Mas ele não podia, isso seria não aceitar com naturalidade o que a vida proporciona como aprendizado. Cabeça erguida.
Ele não era feliz. Não dentro do que ele considerava felicidade, e o que é esse sentimento senão aquilo que nós pensamos dele? Ele queria ser livre, poder agir como quisesse sem ser julgado. Mas as regras da vida mais uma vez vinham ensiná-lo que ele não podia fazer assim. Amigos? Depende... Ele tinha, de fato, alguns. Mas não existia equilíbrio. Ele gostava mais de alguns do que estes gostavam dele. Com outros, sentia que era o contrário. Ele só queria um amigo ideal, uma pessoa que gostasse tanto dele quanto ele dela. Afinal, disseram pra ele que ele teria amigos. Amigos, no plural. E ele só queria um.
Pra esquecer disso tudo, ele se dedicou aos estudos. E estudou muito. Era uma promessa brilhante, que ficaria mais uma vez decepcionada quando percebesse que estudar, às vezes, não é suficiente. Era preciso definir os sonhos, as metas, e só então começar a pensar em como realizá-las. E o sonho dele não era aquele.
Quanto ao amor... Ele nem gostava de pensar... Alma gêmea? Uma piada, de muito mau gosto. Ele só queria se sentir amado, se sentir protegido, mas até para isso tinham regras. E ele, que não parecia se encaixar muito bem aos padrões que a vida impunha, se desiludia cada vez mais. E se fechou, sem perceber. Talvez devesse partir dele a iniciativa de achar seu amor. Mas tinham dito que o amor chegava para todos, e ele se achou no direito de esperar.
E ele era agradável e cativante, não havia pessoa que discordasse. Mas as coisas estavam cada vez mais difíceis, outra vez, ao contrário do que ele ouvira. Por ser agradável, acabava sendo subestimado, não recebia a atenção que queria ou que por vezes necessitava. E por ser cativante, sempre julgavam que estava tudo bem. Mas eles não sabiam de nada.
Ele, ao contrário, se preocupava com os outros à sua volta. Assim era, aliás, a forma como ele gostaria de ser tratado. Mas era mal interpretado. Quando tivesse um filho, ele pensava, diria para ele que as pessoas não são confiáveis, nenhuma delas. Que provavelmente não teria um único amigo verdadeiro. Que dificilmente seria feliz ou teria um futuro que o fizesse realizado. Diria que o amor verdadeiro é uma lenda. Ele diria que não importaria a maneira como se comportasse, as coisas não seriam fáceis. E que ele não deveria esperar retorno de nada que fizesse. Talvez o menino chorasse, talvez fizesse escândalo. Mas, ao menos, quando crescesse, não se sentiria enganado pela vida.