sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Quando tudo vai bem

Ele acordou feliz. Ainda um pouco bêbado da noite anterior, mas feliz. Nem a dor de cabeça e a ressaca o fariam perder seu bom humor. Finalmente tudo estava caminhando bem. Seu sorriso aberto fez com que algumas pessoas o estranhassem. Mas ele definitivamente não estava nem aí. Na noite anterior, todos viram sua felicidade. Ele, que era um garoto contido, resolveu sair. Quando saiu, percebeu que o problema não era a injustiça da vida, como ele tantas vezes profetizou.
Foi tudo tão normal que era estranho que até ali a vida tivesse sido tão difícil. Ele bebeu, muito! E se divertiu como nunca, mas não porque estava bêbado, e sim porque precisava de diversão. E criou seu próprio modo. No palco, a melhor amiga cantava... E para ele foi uma surpresa, ela também parecia tão contida no começo, tanto que eles mal se falavam. Agora ele a via no palco e a admirava como nunca. E eles eram tão diferentes no começo.
Já ia tudo bem, ele poderia ir embora satisfeito, quando a menina apareceu. Troca de olhares, troca de nomes, troca de telefones, troca de beijos. Beijos que começaram contidos como todo o resto, mas que depois começaram a ficar incontrolavelmente quentes. A menina se sentiu um pouco constrangida, parecia que não estava acostumada a ser vista naquela situação. Ele na verdade também não estava, mas alguma coisa inexplicável fazia com que quisesse continuar para sempre.
Dali foram embora juntos. Para ela, parecia algo natural eles estarem dormindo abraçados. O bobo, o deslumbrado, era ele. E a menina soube lidar muito bem com aquilo. Com um toque de mistério que o deixava maluco, ela foi a condutora da noite mais perfeita. Não se podia dizer que tinham sido inocentes, mas havia sim um toque de uma ingenuidade erótica. Ele estava encantado.
No dia seguinte, a ressaca. Mas nada o iria afetar. Ele tinha também um grande amigo que não acreditaria naquilo tudo, e ele achou melhor contar. Não que mentisse, mas às vezes nossos melhores amigos nos guardam surpresas. E, na opinião dele, elas ajudavam a amizade a crescer sempre. Como esperado, o amigo ficou feliz por ele. Então, mandou uma mensagem para a menina, que o ignorou. Mas quando tudo vai bem, não há Murphy que atrapalhe. Mais um dia se passou, e ela o telefonou. Ao que parecia, as noites encantadoras só estavam começando.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Papo de tio

Seu tio não era como os outros. Apesar da diferença de idade, parecia que suas mentes estavam conectadas de uma forma peculiar aos jovens. Eles saíam juntos, também. E compartilhavam amizades, sentimentos e filosofias. O menino sempre fazia o tio sorrir. E na maioria das vezes os motivos eram banais. O tio gostava do comportamento do sobrinho, era só isso. Descontraído, o menino se comportava como a criança que já não era, mas tinha a malícia dos adultos quando queria parecer forte. O tio exercia no menino uma espécie de fascínio velado. Embora não conseguisse compreender a profundidade de muito do que era dito por ele, o achava sempre muito inteligente, perspicaz e sensato em suas colocações.
- Sabe como é, não é tio? Se você não parecer forte, você não é forte.
O tio sabia bem o que aquilo significava. Os jovens não são fortes, mas querem ser. E é aí que mora a comicidade da juventude. O homem de ferro, conhecedor dos mais diversos assuntos - dos problemas mundiais da ecologia ao comportamento sutil e encantador das mulheres -, era na verdade um garotinho assustado tentando lutar contra os próprios fantasmas e criando uma máscara para não demonstrar suas fraquezas.
- Você não precisa parecer nada que você não é, meu filho.
O menino olhou com certa incredulidade para o tio. Realmente, ele não se achava forte. Mas também não considerava que seu tio fosse um homem forte. E para o menino, sem dúvida, era a imagem que o tio passava a todas as pessoas que conhecia. Seus amigos achavam o tio astuto, com a inteligência de um adulto e o desprendimento necessário para compreender a juventude. O tio convencia a todos, mas a ele não. O menino sabia que ele tinha se afundado tanto em suas teorias brilhantes e sensatas que se esquecera de viver. Como o tempo passou e ele covardemente não conseguiu se entregar às emoções, sobre as quais não podia exercer controle, decidiu viver a juventude fora da época. Era por isso que ele admirava o tio. Pela coragem que ele conseguiu reunir depois de tanto tempo para enfrentar suas emoções. Mas diante daquela fala, ele não se sentia no direito de ser sincero com o tio. Displicente, apenas sorriu.
- Pára com esse papo de tio! Quem te disse que eu não sou forte?
O tio ergueu as sobrancelhas e os dois seguiram o caminho até o bar, onde beberam, ficaram um pouco alterados e filosofaram sobre os mais diversos assuntos com alguma perícia. Nem um nem outro, entretanto, colocou em pauta as emoções. Ambos sabiam que corriam o risco de serem nocauteados. E como todos viam, eles eram inteligentes demais para serem vencidos.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Ele só queria se sentir vivo

A única coisa que ele queria era sentir-se vivo. Ele estava sim desgastado, exausto. Mas estava vivo. Tudo o que ele queria era alguém que compartilhasse com ele suas vontades e fizesse delas as próprias vontades. E eram vontades tão naturais que ele não entendia como algo tão simples podia ser tão complicado.
Amigos ele tinha, mas eles não o completavam. Não no que ele mais queria. Ele também não parecia estar se preocupando com isso, mas estava. E muito. Alguma coisa com ele estava errada. Não era possível, seus amigos só podiam estar mentindo descaradamente. Ele não era nada daquilo, não podia ser.
Como seria tanto assim sem que ninguém notasse? Ele não sabia responder. Se procurasse os amigos, eles mais uma vez viriam com o discurso mentiroso de que nada estava errado. Mas este não era o questionamento dele. Que tinha algo errado ele sabia, era fato. Seus amigos não precisavam mais poupá-lo dessa informação, ele já tinha aceitado e até se acostumado com ela. Eles talvez seriam mais úteis apontando a questão, por mais dolorosa que ela fosse.
Ele permanecia na dúvida, e o tempo passava implacavelmente cruel. Ele sentia pânico em pensar que sua energia vital estava se exaurindo e ele estava completamente impotente diante da incapacidade de diagnosticar algo que parecia tão óbvio mas era cada vez mais complicado.
Incapaz de pensar, ele deitou sobre seu caderno, onde questionamentos idiotas pareciam invadir sua cabeça. Ele precisava de ajuda, urgentemente. Só que ele não sabia como pedir. Um dia talvez alguém o notasse, alguém compartilhasse as dúvidas com ele e alguém o fizesse se sentir vivo. Mas esse dia não era hoje. E ele dormiu, mais uma vez sem a resposta.