quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Diálogos mudos

Prestes a ir embora de casa, ele decidiu parar e fazer compras. Não gastaria muito dinheiro, seria mais uma terapia à base de chocolates e alguma coisa que o distraísse, fazendo o tempo passar mais depressa. Sacolas nas mãos, ele partiria.
Antes, porém, ele teria que passar mais quarenta demorados minutos sentado no ponto de ônibus. No céu, as nuvens diziam que choveria a qualquer momento. Ao redor, o vazio da solidão. Mas isso não o incomodava, ele até gostava de se sentir sozinho. Entretanto, pouco a pouco surgiram aqueles que o acompanhariam na viagem de volta à casa. Ele pensou por um momento o quão estranho era dividir o mesmo veículo, partindo para o mesmo destino, com tanta gente que talvez ele nunca mais visse na vida. E decidiu parar com os devaneios.
Na verdade, ele decidiu apenas tentar não divagar mais. Mas um segundo depois já estava analisando seus companheiros de viagem. Havia uma senhora, por volta de seus cinqüenta anos. Ele não entendia o motivo de ela estar esperando o ônibus. Com certeza, poderia pagar e partir de táxi, e ele não cogitava a hipótese da senhorinha viajar de ônibus por puro prazer.
Uma conhecida chegou e o distraiu. Trocaram algumas palavras. Ela não parecia o tipo de garota que freqüentava shoppings centers. Se bem, pensou ele, que o xadrez estava na moda. E ninguém resiste a um bom McDonalds. A terceira menina, que chegaria pouco depois, era a personagem mais intrigante daquele ponto de ônibus. Indescritível. Peruca roxa, camisa de retalhos, uma luva verde ocupando todo o braço, provavelmente feita de uma roupa velha. Calça surrada, grudada, com botões gigantes. Num pé, uma sandália rasteirinha. No outro, um sapato com no mínimo 10cm de salto. Meias daquelas coloridas, listradas. No pescoço, um cachecol feito de um saco de cimento. Sem falar no adereço mais ousado: uma chapa de radiografia da coluna de alguém estava pendurada em suas costas, como uma espécie de capa.
E ela não parecia louca. Era, aliás, muito bonita. Obviamente, a senhorinha a olhou torto. A conhecida parecia estar se divertindo com ela de alguma forma. E ele a achou interessante, até mesmo atraente. Repentinamente, outra moça chegou ao ponto, falando alto no celular e fumando com espalhafato. A menina da peruca gentilmente forrou o banco, que estava molhado, com uma sacola plástica, e o ofereceu para a moça do celular, que num primeiro momento recusou, mas logo depois sentou para continuar conversando ao telefone.
Quando ela finalmente desligou o aparelho, duas amigas chegaram, tão eufóricas quanto ela. Conversaram alto, falaram sobre festas, sentaram no colo uma da outra, trocaram beijos e riram muito. Ele achou uma delas muito interessante. Talvez fosse mais atraente se fosse mais discreta, mas não perdia o encanto por ser "extrovertida".
A menina da peruca acabou cedendo lugar para as três amigas e indo sentar próxima à conhecida dele, que acabou puxando assunto. A senhorinha permanecia em pé, próxima a ele. E ele agiu com a perícia que sabia ter. Aproveitou cada chance para trocar olhares com aquela que tinha despertado interesse nele. E ela retribuiu os olhares. Depois de muito tempo, o ônibus finalmente chegou. Ele se acomodou num dos primeiros bancos, perdendo o contato visual com a musa. O ônibus partiu e eles desceram no mesmo ponto. Acontece que há pessoas a quem os olhares parecem satisfazer. Ele seguiu seu caminho, e ela, o dela, e eles nunca mais se viram.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

É sempre uma mentira

Ele era mais um iludido com a vida. Contaram pra ele, vejam só, que se podia confiar nas pessoas. E que ele teria amigos, e seria feliz. Que bastava que ele estudasse, teria um futuro digno. Disseram que o amor chega pra todo mundo. Que se ele fosse uma pessoa agradável e cativante, as coisas seriam mais fáceis... Chegaram ao cúmulo de mencionar que ele deveria tratar as pessoas como gostaria de ser tratado. Pois bem.
Mais de uma vez na vida, ele se decepcionou. Porque as pessoas nos decepcionam, é natural. Mas isso não tinham contado pra ele. E ele se decepcionou mais uma vez, com as mesmas pessoas. E aí, é claro, ele começou a se chatear. Mas ele não podia, isso seria não aceitar com naturalidade o que a vida proporciona como aprendizado. Cabeça erguida.
Ele não era feliz. Não dentro do que ele considerava felicidade, e o que é esse sentimento senão aquilo que nós pensamos dele? Ele queria ser livre, poder agir como quisesse sem ser julgado. Mas as regras da vida mais uma vez vinham ensiná-lo que ele não podia fazer assim. Amigos? Depende... Ele tinha, de fato, alguns. Mas não existia equilíbrio. Ele gostava mais de alguns do que estes gostavam dele. Com outros, sentia que era o contrário. Ele só queria um amigo ideal, uma pessoa que gostasse tanto dele quanto ele dela. Afinal, disseram pra ele que ele teria amigos. Amigos, no plural. E ele só queria um.
Pra esquecer disso tudo, ele se dedicou aos estudos. E estudou muito. Era uma promessa brilhante, que ficaria mais uma vez decepcionada quando percebesse que estudar, às vezes, não é suficiente. Era preciso definir os sonhos, as metas, e só então começar a pensar em como realizá-las. E o sonho dele não era aquele.
Quanto ao amor... Ele nem gostava de pensar... Alma gêmea? Uma piada, de muito mau gosto. Ele só queria se sentir amado, se sentir protegido, mas até para isso tinham regras. E ele, que não parecia se encaixar muito bem aos padrões que a vida impunha, se desiludia cada vez mais. E se fechou, sem perceber. Talvez devesse partir dele a iniciativa de achar seu amor. Mas tinham dito que o amor chegava para todos, e ele se achou no direito de esperar.
E ele era agradável e cativante, não havia pessoa que discordasse. Mas as coisas estavam cada vez mais difíceis, outra vez, ao contrário do que ele ouvira. Por ser agradável, acabava sendo subestimado, não recebia a atenção que queria ou que por vezes necessitava. E por ser cativante, sempre julgavam que estava tudo bem. Mas eles não sabiam de nada.
Ele, ao contrário, se preocupava com os outros à sua volta. Assim era, aliás, a forma como ele gostaria de ser tratado. Mas era mal interpretado. Quando tivesse um filho, ele pensava, diria para ele que as pessoas não são confiáveis, nenhuma delas. Que provavelmente não teria um único amigo verdadeiro. Que dificilmente seria feliz ou teria um futuro que o fizesse realizado. Diria que o amor verdadeiro é uma lenda. Ele diria que não importaria a maneira como se comportasse, as coisas não seriam fáceis. E que ele não deveria esperar retorno de nada que fizesse. Talvez o menino chorasse, talvez fizesse escândalo. Mas, ao menos, quando crescesse, não se sentiria enganado pela vida.

domingo, 28 de setembro de 2008

Cegueira por opção

Ele era inteligente, não restava dúvida. Mas tinha também um defeito: era incapaz de detectar as próprias imperfeições. Seguia todo o manual do bom comportamento na teoria, analisando-se mais do que é natural alguém fazê-lo, pelo puro prazer do espetáculo. Frases de efeito, ele as adorava. É certo que ele acreditava escrever muito bem, aliás, seria difícil descobrir algo em que ele acreditasse ter limitações. Mas as frases vazias de sentido mostravam o quanto ele tentava aparentar algo que não era. Contradições mil, talvez fosse preciso reler para tentar entender afinal qual era a pretensão. Mas não havia paciência para isso.
Obviamente, os que não enxergavam todas as qualidades que ele certamente possuía estariam comentendo o pecado da inveja. Não era possível que alguém questionasse nenhuma de suas atitudes, embora, é claro, ele também fosse uma pessoa que acreditasse no diálogo, e que não queria impor sua opinião.
Muitos tentaram conversar com ele, fazê-lo perceber o que estava acontecendo ao seu redor. Mas ninguém o entendia, e ele sempre estava mal. Há pessoas a quem o sofrimento faz mais bem que mal. Ele era uma dessas pessoas. Gostava de chamar atenção, da maneira que fosse. Acabava tendo atitudes que seu sobrinho pequeno não teria, mas ele jamais enxergaria isso.
Ele saiu de casa, acreditando estar pronto para a vida. Mas a vida era cruel demais. As pessoas enxergavam defeitos umas nas outras, e ele não os tinha, por isso às vezes o interpretavam como arrogante. Ele conheceu alguém que acreditou na sua inteligência inicial e na carência demonstrada pelo sofrimento opcional, e se envolveu.
Dois meses depois, ela estava esgotada. Mesmo que ele não a sugasse, não cobrasse mais do que ela era capaz de dar e não fosse demasiado insistente, ela acabou tendo a impressão de que ele era assim, e preferiu romper antes que enlouquecesse. Ele gentilmente aceitou, embora todos os seus amigos fossem ficar sabendo de como ele havia terminado o relacionamento com uma garota que não dava a mínima para os sentimentos dele, que tanto a amava e se dedicava a ela.
Em seu emprego, ele sempre fazia questão de mostrar para sua chefe o quão ela era debilitada para o cargo que exercia, quando ele mesmo podia realizar as atividades dela. Surpreendentemente, foi demitido. Ele não conseguia entender como alguém demitiria um profissional como ele. E mais uma vez, entrou em depressão. A situação era cômoda. Alguns ainda se comoviam, e passavam a se dedicar a ele com exclusividade, até que a crise passasse e ele voltasse a ser exatamente como era. Outros, por sua vez, tentavam inutilmente retirar a venda de seus olhos. Mas ela não cederia nunca.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Aquela-que-pensava-que-sabia

Ele tinha a mania, a quase extinta mania de escrever. E sua criatividade o fazia escrever sobre tudo, de todas as formas. E sempre se surpreendia com os resultados de sua pena arranhada no pergaminho que ele guardava com carinho. Sem que ele soubesse, as pessoas tinham acesso a seus devaneios, e se identificavam com eles. Ele sempre gostou muito dela, e ela o lia com freqüência.
Depois de alguns textos, ela acreditou tê-lo desvendado. Mal sabia ela que não passara nem perto. Ele tinha seus truques, sim. Truques que gostava de preservar. Talvez a forma de rabiscar, que lhe era peculiar e da qual não abria mão. O fato é que os leitores ávidos tentavam abordá-lo, descobri-lo, e ele mantinha sempre a fórmula da simplicidade.
Ela não acreditava que toda aquela emoção poderia ser advinda apenas da imaginação, e de fato não vinha. Contudo, julgava ele, as experiências vividas não precisavam ser meticulosamente traduzidas uma a uma, em cada texto, em particular.
E nem tudo era mesmo real. Mas enfim, havia quem não acreditasse. Nem mesmo ele saberia dizer com eficiência quais teriam sido suas inspirações durante os longos metros de pergaminho que, desdobrados, invadiam seu quarto. Talvez ele se decifrasse um pouco a cada texto. E se divertia também. Mas embora nem mesmo ele soubesse precisar como surgia sua obra, parecia ter gente que sabia fazê-lo com perspicácia.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Aquele-que-não-sabia-de-nada

Ele talvez fosse uma pessoa irritante. Para começar, não sabia seu nome. Cresceu então sem saber de muita coisa. Não sabia o que gostava de comer, nem se gostava de comer. Não sabia o que queria da vida, não sabia como se sentia e nem se sentia alguma coisa.
Ele também nunca soube se era relevante no mundo, e também não parecia fazer questão de saber. Ele simplesmente não buscava conclusões. Sua vida tomava um curso que ele não sabia nem queria definir. Ele vivia por viver, e deixava-se viver assim.
Seu envolvimento com as pessoas era sempre um mistério, ele nunca sabia o que sentia por elas. Quando eram amigos, nunca sabia a intensidade daquele sentimento. Quando amantes, não sabia se estava apaixonado. Ele tentava não se incomodar com isso tudo, e parecia que também não sabia se incomodar.
O fato é que essa incerteza contínua às vezes o irritava. Mas para variar ele simplesmente não sabia como modificar aquela situação. E por comodismo, aprendeu a lidar com a dúvida. Ele gostava quando tentavam mostrá-lo que ele sabia alguma coisa. Mas ele sabia não saber.
Em toda sua dúvida, porém, ele tinha certeza que não saber das coisas o fazia menos preocupado com tudo. Como ele não saberia lidar com qualquer situação, para ele era fácil não ter domínio sobre ela. Um dia, porém, ele acordou achando que sabia. Ele só não conseguia identificar o quê.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Quando tudo vai bem

Ele acordou feliz. Ainda um pouco bêbado da noite anterior, mas feliz. Nem a dor de cabeça e a ressaca o fariam perder seu bom humor. Finalmente tudo estava caminhando bem. Seu sorriso aberto fez com que algumas pessoas o estranhassem. Mas ele definitivamente não estava nem aí. Na noite anterior, todos viram sua felicidade. Ele, que era um garoto contido, resolveu sair. Quando saiu, percebeu que o problema não era a injustiça da vida, como ele tantas vezes profetizou.
Foi tudo tão normal que era estranho que até ali a vida tivesse sido tão difícil. Ele bebeu, muito! E se divertiu como nunca, mas não porque estava bêbado, e sim porque precisava de diversão. E criou seu próprio modo. No palco, a melhor amiga cantava... E para ele foi uma surpresa, ela também parecia tão contida no começo, tanto que eles mal se falavam. Agora ele a via no palco e a admirava como nunca. E eles eram tão diferentes no começo.
Já ia tudo bem, ele poderia ir embora satisfeito, quando a menina apareceu. Troca de olhares, troca de nomes, troca de telefones, troca de beijos. Beijos que começaram contidos como todo o resto, mas que depois começaram a ficar incontrolavelmente quentes. A menina se sentiu um pouco constrangida, parecia que não estava acostumada a ser vista naquela situação. Ele na verdade também não estava, mas alguma coisa inexplicável fazia com que quisesse continuar para sempre.
Dali foram embora juntos. Para ela, parecia algo natural eles estarem dormindo abraçados. O bobo, o deslumbrado, era ele. E a menina soube lidar muito bem com aquilo. Com um toque de mistério que o deixava maluco, ela foi a condutora da noite mais perfeita. Não se podia dizer que tinham sido inocentes, mas havia sim um toque de uma ingenuidade erótica. Ele estava encantado.
No dia seguinte, a ressaca. Mas nada o iria afetar. Ele tinha também um grande amigo que não acreditaria naquilo tudo, e ele achou melhor contar. Não que mentisse, mas às vezes nossos melhores amigos nos guardam surpresas. E, na opinião dele, elas ajudavam a amizade a crescer sempre. Como esperado, o amigo ficou feliz por ele. Então, mandou uma mensagem para a menina, que o ignorou. Mas quando tudo vai bem, não há Murphy que atrapalhe. Mais um dia se passou, e ela o telefonou. Ao que parecia, as noites encantadoras só estavam começando.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Papo de tio

Seu tio não era como os outros. Apesar da diferença de idade, parecia que suas mentes estavam conectadas de uma forma peculiar aos jovens. Eles saíam juntos, também. E compartilhavam amizades, sentimentos e filosofias. O menino sempre fazia o tio sorrir. E na maioria das vezes os motivos eram banais. O tio gostava do comportamento do sobrinho, era só isso. Descontraído, o menino se comportava como a criança que já não era, mas tinha a malícia dos adultos quando queria parecer forte. O tio exercia no menino uma espécie de fascínio velado. Embora não conseguisse compreender a profundidade de muito do que era dito por ele, o achava sempre muito inteligente, perspicaz e sensato em suas colocações.
- Sabe como é, não é tio? Se você não parecer forte, você não é forte.
O tio sabia bem o que aquilo significava. Os jovens não são fortes, mas querem ser. E é aí que mora a comicidade da juventude. O homem de ferro, conhecedor dos mais diversos assuntos - dos problemas mundiais da ecologia ao comportamento sutil e encantador das mulheres -, era na verdade um garotinho assustado tentando lutar contra os próprios fantasmas e criando uma máscara para não demonstrar suas fraquezas.
- Você não precisa parecer nada que você não é, meu filho.
O menino olhou com certa incredulidade para o tio. Realmente, ele não se achava forte. Mas também não considerava que seu tio fosse um homem forte. E para o menino, sem dúvida, era a imagem que o tio passava a todas as pessoas que conhecia. Seus amigos achavam o tio astuto, com a inteligência de um adulto e o desprendimento necessário para compreender a juventude. O tio convencia a todos, mas a ele não. O menino sabia que ele tinha se afundado tanto em suas teorias brilhantes e sensatas que se esquecera de viver. Como o tempo passou e ele covardemente não conseguiu se entregar às emoções, sobre as quais não podia exercer controle, decidiu viver a juventude fora da época. Era por isso que ele admirava o tio. Pela coragem que ele conseguiu reunir depois de tanto tempo para enfrentar suas emoções. Mas diante daquela fala, ele não se sentia no direito de ser sincero com o tio. Displicente, apenas sorriu.
- Pára com esse papo de tio! Quem te disse que eu não sou forte?
O tio ergueu as sobrancelhas e os dois seguiram o caminho até o bar, onde beberam, ficaram um pouco alterados e filosofaram sobre os mais diversos assuntos com alguma perícia. Nem um nem outro, entretanto, colocou em pauta as emoções. Ambos sabiam que corriam o risco de serem nocauteados. E como todos viam, eles eram inteligentes demais para serem vencidos.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Ele só queria se sentir vivo

A única coisa que ele queria era sentir-se vivo. Ele estava sim desgastado, exausto. Mas estava vivo. Tudo o que ele queria era alguém que compartilhasse com ele suas vontades e fizesse delas as próprias vontades. E eram vontades tão naturais que ele não entendia como algo tão simples podia ser tão complicado.
Amigos ele tinha, mas eles não o completavam. Não no que ele mais queria. Ele também não parecia estar se preocupando com isso, mas estava. E muito. Alguma coisa com ele estava errada. Não era possível, seus amigos só podiam estar mentindo descaradamente. Ele não era nada daquilo, não podia ser.
Como seria tanto assim sem que ninguém notasse? Ele não sabia responder. Se procurasse os amigos, eles mais uma vez viriam com o discurso mentiroso de que nada estava errado. Mas este não era o questionamento dele. Que tinha algo errado ele sabia, era fato. Seus amigos não precisavam mais poupá-lo dessa informação, ele já tinha aceitado e até se acostumado com ela. Eles talvez seriam mais úteis apontando a questão, por mais dolorosa que ela fosse.
Ele permanecia na dúvida, e o tempo passava implacavelmente cruel. Ele sentia pânico em pensar que sua energia vital estava se exaurindo e ele estava completamente impotente diante da incapacidade de diagnosticar algo que parecia tão óbvio mas era cada vez mais complicado.
Incapaz de pensar, ele deitou sobre seu caderno, onde questionamentos idiotas pareciam invadir sua cabeça. Ele precisava de ajuda, urgentemente. Só que ele não sabia como pedir. Um dia talvez alguém o notasse, alguém compartilhasse as dúvidas com ele e alguém o fizesse se sentir vivo. Mas esse dia não era hoje. E ele dormiu, mais uma vez sem a resposta.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Virtualidade

Tenho amigos virtuais. Amigos. Com todo o peso que essa palavra possa ter. Não, eles não são psicopatas, não têm 10 anos e nem são frutos da minha imaginação. Mas eu não quero que você acredite nisso. Eu não sei se acreditaria se não tivesse essa experiência. Agora, se você se considera uma pessoa de “mente aberta”, você deveria achar isso tão normal quanto sentar num barzinho para tomar umas cervejas.
Por que não se pode conhecer através da internet uma pessoa com quem você se dê bem, a ponto de querer estar sempre em contato e na primeira oportunidade conhecê-la pessoalmente? Fruto da evolução tecnológica, só isso. Atrasado é quem não acredita.
Uma amizade virtual é diferente, e isso é fato. Mas nem sempre ser diferente é ser pior. Entrar no MSN ou acessar seu perfil do orkut é diferente quando você tem pessoas com quem seu único contato é por ali. É diferente para melhor. É mesmo difícil definir o quão profundo pode ser um relacionamento a qualquer nível onde não haja contato físico ou verbal. Descobrir a voz de um amigo seu depois de alguns meses de convivência é algo prazeroso, divertido, inexplicável.
Conhecê-lo pessoalmente é sempre uma aventura. Você se depara com aquela pessoa que sabe tanto a seu respeito e de repente não sabe como agir. Mas isso passa em poucos minutos. Depois que a conversa se inicia, você percebe que a internet não é uma ilusão. Seu amigo virtual é tão interessante quanto você o achava no computador.
A sensação é até um pouco estranha. Mas na internet você aprende a conviver com pessoas diferentes, na marra. Meus amigos virtuais se conhecem, virtualmente também. E nesse ciclo de pessoas que se gostam “sem se conhecerem” tem gente de todo canto, de todo tipo. Gente nova, gente velha, gente normal, gente maluca, gente que faz faculdade, gente que trabalha, gente que fica o dia todo no computador, mas sempre gente interessante.Quer saber? Tenho muita sorte de conhecer cada uma das pessoas que vai ler esse texto e com ele se identificar. Afinal, se eu for pro Rio Grande do Sul, pra Santa Catarina, São Paulo, Rio, Goiás, Brasília, Maranhão e provavelmente qualquer lugar do país, vai ter sempre um ombro amigo disposto a me acolher. Um ombro verdadeiramente amigo.

sábado, 5 de julho de 2008

Audiência

Bom... Quando você tem pessoas que se preocupam em ler seu blog sem que você saiba, e descobre isso, o mínimo a fazer é agradecer a essas pessoas. Obrigado àqueles que fizeram pública minha obra, e desculpem por, mesmo vocês se importando com a divulgação do meu trabalho, eu não saber os nomes de vocês e desconhecer qualquer coisa feita por vocês.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Enrik Liron Levy Hovstad

Data de Nascimento: 21/11/1886, às 13h
Filiação: Oscar Munch Hovstad e Rebecca Levy Hovstad
Local de Nascimento: comuna de Enebakk - condado de Akershus - Oslo - Noruega.
Signo: Escorpião, ascendente Aquário

Oscar e Rebecca se casaram em 1884 e, dois anos mais tarde, tiveram seu primeiro e único rebento. A mãe tinha descendência judaica e fazia questão que o filho tivesse um nome ligado à origem, mas o pai não gostou muito da idéia. Das discussões entre os dois nasceu o nome Enrik Liron. Enrik, em homenagem a um grande escritor do país, Henrik Ibsen. E Liron é um nome de origem judaica, que significa “o jubiloso”. Rebecca ainda fez questão que seu sobrenome fosse passado ao garoto. O nome final do menino foi “Enrik Liron Levy Hovstad”.
Embora humildes, os Hovstad sempre fizeram de tudo por seu primogênito. Desde criança, o pequeno Enrik Liron demonstrava grande interesse pelo jornalismo. Adorava folhear os jornais do pai, embora não soubesse ler. Talvez por esse interesse precoce por informações, o garoto tenha desenvolvido um senso de investigação muito apurado. Quem se atrevesse a mentir para Enrik Liron seria desmascarado pelo garoto, custasse o que custasse.
Graças às condições da família, ele começou cedo a vida adulta, trabalhando como engraxate nas ruas de Enebakk para ajudar nos gastos com a casa. Nessa época, ele desenvolveu uma interessante amizade com a prima Rane Phill Billing, uma vez que os dois eram muito diferentes. O destino acabaria levando-os a trabalhar juntos num futuro próximo.
Enrik Liron sempre foi um pouco paranóico, do tipo que acha que está o tempo todo envolvido em algum tipo de conflito. E se ele não conseguisse identificar qual era o conflito da vez, ele tratava de criar. Viver sem lutar por algum motivo era, para ele, demasiado enfadonho.
Sempre muito seguro de si, o pequeno Hovstad se mudou da cidade natal e conseguiu realizar seu sonho de criança ao fundar o “Mensageiro do Povo”, um jornal que nasceu com propósitos de luta, de reivindicação. Era um instrumento de militância pelo povo. Enrik Hovstad, como ficou conhecido depois de adulto, adentrou na maçonaria a exemplo do pai, e isso o fez ficar ainda mais arrogante.
Apesar disso, Hovstad sempre foi muito divertido, inteligente, uma pessoa para quem qualquer tipo de rotina fosse desprezível. E isso atraía muito as mulheres, que ele fazia questão de cortejar, embora não se envolvesse com nenhuma delas. Para ele, não valia à pena se prender a uma única quando todas o queriam.
O “Mensageiro do Povo” começou a sofrer represálias políticas, e, por ainda não ter muito tempo de circulação, Hovstad preferiu fazê-lo recuar. A estratégia foi certeira, e o jornal foi ganhando cada vez mais influência. Apesar de não ser muito ligado às questões feministas, Enrik contratou para o jornal sua prima Billing, e a viúva Aslaksen, ex-mulher do falecido tipógrafo. Com essa atitude, além de conquistar a simpatia das mulheres militantes, também obteve ao seu lado a importante Associação dos Pequenos Proprietários de Imóveis, da qual Aslaksen era presidente. Enrik já conseguia ajudar os pais a viver com um certo conforto no início da velhice, e isso para ele era uma questão de honra.
Foi então que Enrik Hovstad conheceu o médico Thomas Stockmann, que enviava artigos com freqüência a seu jornal. A amizade entre os dois crescia na mesma medida que o jornal atingia toda a população local. Hovstad também se encantou por Petra, filha do doutor, e isso o aproximava ainda mais da família do médico. Um incidente terrível pareceu acabar com os planos de Enrik de se envolver seriamente com uma moça pela primeira vez na vida. Thomas descobriu que as águas do balneário, maior fonte de renda da cidade, estavam contaminadas. E Hovstad ficou numa situação muito constrangedora, dividido entre o doutor e seu irmão, o prefeito Peter Stockmann.
Peter tinha o poder em suas mãos, e Hovstad não poderia jogar seu sonho por terra. Afastou-se de Petra, e começou então a agir em defesa do prefeito. Thomas Stockmann nunca o perdoou por isso, até que o próprio Hovstad, em Assembléia Geral, o declarou Inimigo do Povo. Enrik Hovstad continuou a viver na cidade, e o jornal sobreviveu a essa situação graças a parte das ações da estação balneária conseguidas por ele. Depois disso, o jornalista não mais teve contato com a família do antigo médico da estação balneária.
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PS: Sr. Hovstad é o nome da minha personagem na peça "Inimigo do Povo", de Henrik Ibsen.
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Cia. Teatral Caravela das Artes
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A história se passa por volta de 1915, no interior da Noruega. Uma pequena cidade tem sua economia baseada na estação balneária, até que o médico Thomas Stockmann descobre que as águas estão contaminadas. Começa então uma briga contra o prefeito da cidade, que pretende abafar o caso para não prejudicar a economia local e principalmente sua reeleição.
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Primeira temporada com Fernanda Bastos, Rafael Costa, Jackson Leocádio, Álvaro Dyogo, Thiago Berzoini, Ísis Zisels, Lívia Kodato, Mahina Fava, Letícia Amorim, Thiago Schaeffer, Marcelo de Assis, Marcela Pires e Mariana Galdino.
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Segunda temporada com Fernanda Bastos, Marcelo de Assis, Jackson Leocádio, Álvaro Dyogo, Thiago Berzoini, Ísis Zisels, Lívia Kodato, Marcela Pires, Letícia Amorim, Thiago Schaeffer, Mariana Galdino e Ludyane Agostini.
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Apresentação em São José das Três Ilhas com Ludyane Agostini, Marcelo de Assis, Jackson Leocádio, Álvaro Dyogo, Thiago Berzoini, Mariana Galdino, Lívia Kodato, Marcela Pires, Letícia Amorim e Thiago Schaeffer.
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Direção: Thiago Berzoini

domingo, 20 de abril de 2008

A Ponte

Ela tinha um compromisso e estava se atrasando. Era muita gente querendo conversar. Muita gente querendo falar coisas que ela não estava afim de ouvir. Será que ninguém entendia? Ela estava com PRESSA! Ela correu, deixando para trás todos os que a queriam manter ali. Ela correu muito, até que chegou numa ponte. Na ponte, ela encontrou alguém. “Dessa vez vou seguir direto”, pensou. Mas ela não conseguiu. Ele era muito atraente. Charmoso e galanteador, ele quis saber para onde ela iria, e ela o cortou.
- Eu vou embora, e já estou atrasada!
- Vai embora? Para onde, menina? Você nem sabe o que quer.
O misterioso homem não deixava de ter razão, mas ela só queria saber de prosseguir. Como não conseguiu atenção, o homem usou de outros meios para falar com a garota. Como que por magia, a ponte despencou. Ela caiu desesperada de encontro às águas daquele rio imenso. Lá embaixo estava ele, sentado calmamente sobre uma pedra esperando que a correnteza a levasse ao encontro dele. E o momento não demorou a acontecer. Ele retirou a menina do rio, e ela, a contragosto, decidiu ouvi-lo, afinal tinha acabado de ser salva por ele.
E ela não se arrependeu. Ele não era como todos os outros que falavam achando que sabiam da vida, que conheciam as pessoas e queriam ajudá-las. Ele gostava de escutar e aprender com as pessoas. O fato é que ela estava cheia de julgamentos e fugia desesperadamente deles. O homem compreendeu. Realmente era enfadonho o modo como as pessoas se colocavam em fórmulas e achavam que todos se encaixavam ali.
Ela era diferente. Não queria saber de tudo, era humilde. Só queria que as pessoas parassem de tentar encaixá-la em uma fórmula que havia sido definida antes de ela nascer. O homem percebeu qual era o destino dela e a deixou prosseguir. A ponte a levaria para um lugar que ela mesma não tinha coragem para encontrar antes, e agora sentia necessidade absoluta de ir. Ela estava atrasada. Atrasada para atravessar a ponte que a levaria para a vida.
E correu. Ao atravessar a ponte, percebeu que não existia atraso. As pessoas do outro lado eram felizes, plenamente. Havia uns senhores que jogavam xadrez, mulheres nuas correndo pela praia enquanto o casal de namorados conversava no quiosque. Também havia pessoas dançando, e muita gente se conhecia, sempre com sorrisos radiantes nos rostos. A ponte a havia levado para a felicidade.
A felicidade não se explica, não se cobra e não está numa fórmula. Cada pessoa é responsável por decidir o momento de ser feliz, e a felicidade é egoísta. Ela é sua, então é uma decisão que você tem que tomar sozinho e sem dar ouvidos a ninguém. Quando você achar a ponte, atravesse-a. Muita gente demora tempo demais para encontrá-la, e alguns sequer a vêem. Quando alguém tentar retardá-lo, não permita. Corra, você também está atrasado, e só vai perceber que isso não é verdade depois que chegar ao seu destino.

domingo, 16 de março de 2008

Revolução

Havia uma caixa preta em um lugar longe de tudo. Sem que ninguém visse, a caixa começou a tremer, e de dentro dela, ele saiu. Sim. A caixa havia gerado uma pessoa. Ele não nasceu do ventre de uma mãe, tampouco nasceu pequeno e indefeso. Ele já sabia falar, se comunicava muito bem. Embora não tivesse pais, aquilo para ele tinha uma vantagem: ele não havia recebido desde pequeno a noção do que era certo e errado, do que era bom ou ruim, de como ele tinha que se portar para ser aceito. Então ele não se importava com essas coisas. E saiu.
Sempre despertava admiração e inveja nas pessoas com quem convivia. Ele não queria saber mesmo o que pensavam dele, e vivia muito bem assim. Beijava e abraçava quem tinha vontade, constrangia os outros com suas perguntas espontaneamente indelicadas, amava com intensidade. Ele era plenamente feliz. Muitos não entendiam como, mas ele sempre estava incluído e realizado. Na verdade não havia mesmo uma explicação aparente.
Ele conheceu alguém com quem se envolveu. Ele se apaixonou. Mas nem sempre estavam juntos. E ele escolheu manter-se assim. Feliz por estar apaixonado, mesmo que não houvesse presença física. Ninguém entendia, aliás, o que para ele já não era novidade. Continuava aproveitando sua vida, com seus amigos, que ele sempre percebia ter pequenas travas que ele não compreendia o porquê, e fazendo esforços intencionais para ver seu complemento emocional.
Formou-se. Graduou-se no Ensino Superior, como manda a etiqueta, mas não porque ela manda. Ele realmente não era muito apegado às pessoas, embora amasse seus amigos. Talvez fosse porque ele não tinha aprendido que as pessoas sempre esperam retribuição e cobram atitudes. Aí estava algo com que ele não sabia lidar, mas também lixava-se para isso. Ele nunca teve intenção de ser perfeito.
Viajou. Ele tinha os lugares para onde gostaria de ir, e, com sua mochila nas costas, foi para um deles. A presença e companhia de alguém especial finalmente pareciam mais próximas da realidade. E eles finalmente se encontraram. Foi o momento mais belo.
A química era perfeita, duas pessoas que se gostavam simultaneamente. Se formos pensar, a tal da alma gêmea não é muito fácil de encontrar. Pense em quantas pessoas vivem no planeta, todas elas com características únicas, e provavelmente apenas uma delas compartilharia com você o yin-yang do equilíbrio perfeito. E ele acreditava ter encontrado essa pessoa. Viveram intensamente os melhores momentos da vida dos dois, e decidiram ter um herdeiro. Adotaram, em consenso, porque através da experiência dos dois perceberam que filhos gerados naturalmente sofriam influências negativas inevitáveis, e talvez fosse mais fácil controlar a situação com uma criança que não receberia de seus pais uma fórmula de como sobreviver em sociedade.
O menino era lindo, e incrivelmente parecido com os pais. E a educação que lhe foi dada foi livre, sem regras, para que seu potencial de felicidade se desenvolvesse por inteiro. O menino cresceu, e começou a se relacionar com as pessoas, que o admiravam por viver a vida simples que ele queria viver. E assim começou a revolução social mais importante da história: aquela que levava a raça humana à felicidade por opção, e que mostrava que regras devem ser quebradas sempre que fizerem alguém infeliz.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Estereótipos

Os estereótipos são, como todos sabemos, rótulos. E às vezes perdemos o melhor dos sabores sem conhecê-lo apenas por não termos gostado do rótulo. Esse é o maior risco. E não é um risco gostoso, daqueles que ativam a adrenalina e te deixam com um frio na barriga que te faz lembrar do quão vivo você está. É um risco de omissão, de perder sem tentar, de nunca saber se teria gostado. E o gosto desse risco é amargo, alguns carregam por toda a vida.
Um homem e uma mulher não podem ser amigos, porque sempre haverá atração. O mesmo acontece com um gay e uma pessoa do mesmo sexo: ele é incapaz de manter uma amizade sem “atacar”. Os playboys e patricinhas são sempre fúteis e não têm nada que preste na cabeça. Os maconheiros são amigos falsos que querem te levar pro mal caminho. Os emos são pessoas ridículas que adoram chamar atenção. Pode escolher a frase que te parece mais idiota; elas competem de igual para igual.
A sociedade tenta te dizer o que fazer, o que pensar e com quem andar. E cabe a você ser mais um tradicionalista que aceita as regras sem questioná-las, ou alguém com a cabeça aberta, pronto para conhecer as pessoas e aprender com elas. Sim, o partido está tomado. Estereótipos são idiotas. Por trás do surfista, da evangélica radical, do viciado, da gorda, do funkeiro, existem pessoas. E se achar bom o suficiente para julgá-las é ter um nível de arrogância que cega, e que te faz achar superior sem se dar conta, ou às vezes até percebendo. E o egocentrismo não me atrai.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Jogo Duro

Musiquinha idiota composta por mim...

Tempos atrás eu pensava
Que poderia voar,
Mas minha asa foi quebrada
Antes que eu pudesse tentar.


Se o ciclo sempre recomeça
Eu não quero vê-lo fechar.
Ainda há muito da vida,
Muita coisa boa pra experimentar.


As regras são pra ser quebradas...
Pára logo de só olhar.
Não prenda sua liberdade
E fique à vontade pra poder voar.


Refrão (2x)

Pode fazer jogo duro,
Pode fingir de infeliz.
Já não me importa mais nada
Do que você pensa ou do que você diz.


O que de verdade você pensa?
Não responda pela raiz.
O que dentro de você fala,
O que é necessário para ser feliz?


Fingir de infeliz não ilude,
Só você quem pode mudar,
Tomando suas atitudes,
Sai do ninho e vai voar.


Mas quase nada disso importa,
Se a algema ainda te sufoca.
Se não te abrirem a porta
Você vai ter que arrombar.


Refrão (2x)

:P

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Saindo da Casca

Ela acordou, bela e feliz como sempre. Espreguiçou gostoso e colocou seus delicados pés descalços no chão. Uma gota de sangue caiu, e ela se assustou. De repente, se sentiu diferente. A camisola cor-de-rosa, comprada pela mãe, já parecia estranha em seu corpo. Aliás, todo seu guarda-roupas parecia estranho.
Ela se vestiu com uma daquelas peças e lavou o rosto. A antiga garota parecia ter sido deixada na pia do banheiro. Pegou sua chave, e decidiu dar uma volta na rua. Parou no salão, cortou o cabelo bem curto, num estilo bagunçado que combinava bem com seu espírito. Foi à feira hippie e gastou mais algum dinheiro comprando coisas exóticas.
Chegou em casa, a mãe gritou. Onde estava a menina pura e perfeita? Havia ficado para trás. No quarto agora um incenso exalava um odor relaxante. As calças jeans deram lugar às saias indianas, e o quarto de princesa se transformou numa morada de duendes.
Ela se sentia mais feliz. A plenitude que ela nem se deu conta de estar sentindo falta a dominou. Ela finalmente estava saindo da casca. Já não se preocupava mais em manter as aparências de menina angelical diante da família e dos amigos, e tampouco estava quebrando regras somente para atingir quem quer que fosse. Aquela era ela de verdade, e seria daquele jeito que as pessoas que realmente se importavam deveriam amá-la.

domingo, 27 de janeiro de 2008

A ilha

Ele era em si mesmo uma ilha, cercada de pessoas por todos os lados. Acordava com sua irmã dormindo em seu quarto porque o dela estava frio demais. Depois, onde quer que fosse, não conseguia ter um único momento onde pudesse ficar a sós com suas viagens e paranóias.
Ele sempre achou que aquilo o fizesse muito mal. É chegado um momento em que você não consegue mais guardar a explosão interna que te consome. E como ele não a possuía, ela passou a constrangê-lo. O chamavam de louco porque ele falava sozinho e criava seus personagens com os quais gostava de conversar às vezes.
Decidiu sair. Fora de casa, ele tinha mais liberdade. Ela não o acompanhava, por isso queria a todo custo fazê-lo sentir sua falta. Na rua, as pessoas não prestavam tanta atenção. Ele se sentia melhor. Procurava também pelos amigos, que não o cobravam e julgavam tanto. Mas faltava ela.
Se rebelou. Decidiu que faria o que precisasse, a todo custo, para tê-la. Começou lenta sua busca. Inicialmente, ele só queria se sentir bem. Sabe aquela história de não se reconhecer? Sim, sim... Era ela (ou melhor, a falta dela) uma das que mais contribuíam para que isso continuasse a acontecer. Mas ele se decidiu a lutar. Como demoraria para encontrar com aquela que mais lhe fazia falta, ele queria simplesmente começar a se ver em seus reflexos. Num momento de paz, deitou-se sobre o rio, deixando a água tomar conta dos seus pensamentos. E ali, naquele pequeno momento, a privacidade o encontrou e o motivou, fazendo ele se sentir pleno e leve para continuar sereno em sua busca.
Ao voltar para casa, entrou em seu quarto, o trancou e dormiu. Quando abriu os olhos, a porta já não estava mais trancada. Ele olhou para ela, virou para o lado e fechou os olhos novamente. Pelo menos em seus sonhos, ela estava mais próxima e real.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Mergulhando

Imagine-se mergulhando nas mais profundas águas. Consegue sentir a sensação de estar imerso num mundo só seu, onde não existem problemas e tudo é tranqüilo e fácil? Assim acontece com as músicas quando nós as ouvimos com um objetivo específico. Coloque um fone de ouvido, ligue aquela música que parece ter sido escrita para você e viaje. Mergulhe e sinta a sensação de que não existem problemas.
A letra envolve seu corpo e a melodia parece te arrastar no mar da solidão e do esquecimento. Mas é disso que precisamos às vezes, não resta dúvida. Principalmente quando falar não é a opção. Quando tudo parecer difícil, escute uma boa música. Mergulhe em seu interior. Por mais rápido que o alívio seja, terá valido à pena.
Você terá feito acontecer. Seus sentimentos farão valer à pena. Prepare-se para chorar, rir, gritar, cantar como se fosse o melhor cantor do mundo. Extravase. Ou mergulhe na melodia do silêncio, se ela te faz melhor. O quão bom ou não pode ser um sentimento, depende apenas de como você o utiliza. Auto-ajuda? Não.... Auto-reflexão, talvez.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Era um garoto...

Ele estava tão confuso que não saberia explicar onde começavam suas dúvidas. Tudo o que se podia imaginar o estava incomodando. E ele mantinha seu sorriso externo. Todos os que o conhecessem de uma maneira superficial o julgariam uma pessoa plenamente feliz, e que carregava sua felicidade para espalhar entre os outros.
Um olhar mais profundo revelaria alguém mais imerso em complexidades. Ele não era nem estava feliz. Ele estava confuso. Confuso por não ter coragem para se rebelar. Confuso porque o que ele fazia não o agradava, e ele não fazia nada para mudar. Confuso, porque ele se sentia mal e não conseguia expressar.
Ele queria conseguir chorar, gritar. Ele queria agir. Faltava alguma coisa que ele julgava ser coragem, e talvez o fosse. Às vezes ele se via forçando uma música melancólica que pudesse transmitir a ele o que ele queria sentir. Mas como alguém pode querer sentir melancolia? Ele queria, embora também não tivesse a resposta para essa pergunta. Seu mundo era complicado demais, e ele não se encaixava.Talvez faltasse se olhar no espelho e se enxergar. Mas ele não se via. Ele não era o que gostaria de ser. Se se mirasse no espelho, talvez visse uma sombra. A sombra o olhava sorrindo, e ele partia para mais um dia igual a todos os outros.