Prestes a ir embora de casa, ele decidiu parar e fazer compras. Não gastaria muito dinheiro, seria mais uma terapia à base de chocolates e alguma coisa que o distraísse, fazendo o tempo passar mais depressa. Sacolas nas mãos, ele partiria.Antes, porém, ele teria que passar mais quarenta demorados minutos sentado no ponto de ônibus. No céu, as nuvens diziam que choveria a qualquer momento. Ao redor, o vazio da solidão. Mas isso não o incomodava, ele até gostava de se sentir sozinho. Entretanto, pouco a pouco surgiram aqueles que o acompanhariam na viagem de volta à casa. Ele pensou por um momento o quão estranho era dividir o mesmo veículo, partindo para o mesmo destino, com tanta gente que talvez ele nunca mais visse na vida. E decidiu parar com os devaneios.
Na verdade, ele decidiu apenas tentar não divagar mais. Mas um segundo depois já estava analisando seus companheiros de viagem. Havia uma senhora, por volta de seus cinqüenta anos. Ele não entendia o motivo de ela estar esperando o ônibus. Com certeza, poderia pagar e partir de táxi, e ele não cogitava a hipótese da senhorinha viajar de ônibus por puro prazer.
Uma conhecida chegou e o distraiu. Trocaram algumas palavras. Ela não parecia o tipo de garota que freqüentava shoppings centers. Se bem, pensou ele, que o xadrez estava na moda. E ninguém resiste a um bom McDonalds. A terceira menina, que chegaria pouco depois, era a personagem mais intrigante daquele ponto de ônibus. Indescritível. Peruca roxa, camisa de retalhos, uma luva verde ocupando todo o braço, provavelmente feita de uma roupa velha. Calça surrada, grudada, com botões gigantes. Num pé, uma sandália rasteirinha. No outro, um sapato com no mínimo 10cm de salto. Meias daquelas coloridas, listradas. No pescoço, um cachecol feito de um saco de cimento. Sem falar no adereço mais ousado: uma chapa de radiografia da coluna de alguém estava pendurada em suas costas, como uma espécie de capa.
E ela não parecia louca. Era, aliás, muito bonita. Obviamente, a senhorinha a olhou torto. A conhecida parecia estar se divertindo com ela de alguma forma. E ele a achou interessante, até mesmo atraente. Repentinamente, outra moça chegou ao ponto, falando alto no celular e fumando com espalhafato. A menina da peruca gentilmente forrou o banco, que estava molhado, com uma sacola plástica, e o ofereceu para a moça do celular, que num primeiro momento recusou, mas logo depois sentou para continuar conversando ao telefone.
Quando ela finalmente desligou o aparelho, duas amigas chegaram, tão eufóricas quanto ela. Conversaram alto, falaram sobre festas, sentaram no colo uma da outra, trocaram beijos e riram muito. Ele achou uma delas muito interessante. Talvez fosse mais atraente se fosse mais discreta, mas não perdia o encanto por ser "extrovertida".
A menina da peruca acabou cedendo lugar para as três amigas e indo sentar próxima à conhecida dele, que acabou puxando assunto. A senhorinha permanecia em pé, próxima a ele. E ele agiu com a perícia que sabia ter. Aproveitou cada chance para trocar olhares com aquela que tinha despertado interesse nele. E ela retribuiu os olhares. Depois de muito tempo, o ônibus finalmente chegou. Ele se acomodou num dos primeiros bancos, perdendo o contato visual com a musa. O ônibus partiu e eles desceram no mesmo ponto. Acontece que há pessoas a quem os olhares parecem satisfazer. Ele seguiu seu caminho, e ela, o dela, e eles nunca mais se viram.
Ele era mais um iludido com a vida. Contaram pra ele, vejam só, que se podia confiar nas pessoas. E que ele teria amigos, e seria feliz. Que bastava que ele estudasse, teria um futuro digno. Disseram que o amor chega pra todo mundo. Que se ele fosse uma pessoa agradável e cativante, as coisas seriam mais fáceis... Chegaram ao cúmulo de mencionar que ele deveria tratar as pessoas como gostaria de ser tratado. Pois bem.
Ele era inteligente, não restava dúvida. Mas tinha também um defeito: era incapaz de detectar as próprias imperfeições. Seguia todo o manual do bom comportamento na teoria, analisando-se mais do que é natural alguém fazê-lo, pelo puro prazer do espetáculo. Frases de efeito, ele as adorava. É certo que ele acreditava escrever muito bem, aliás, seria difícil descobrir algo em que ele acreditasse ter limitações. Mas as frases vazias de sentido mostravam o quanto ele tentava aparentar algo que não era. Contradições mil, talvez fosse preciso reler para tentar entender afinal qual era a pretensão. Mas não havia paciência para isso.
Ele tinha a mania, a quase extinta mania de escrever. E sua criatividade o fazia escrever sobre tudo, de todas as formas. E sempre se surpreendia com os resultados de sua pena arranhada no pergaminho que ele guardava com carinho. Sem que ele soubesse, as pessoas tinham acesso a seus devaneios, e se identificavam com eles. Ele sempre gostou muito dela, e ela o lia com freqüência.
Ele talvez fosse uma pessoa irritante. Para começar, não sabia seu nome. Cresceu então sem saber de muita coisa. Não sabia o que gostava de comer, nem se gostava de comer. Não sabia o que queria da vida, não sabia como se sentia e nem se sentia alguma coisa.
Ele acordou feliz. Ainda um pouco bêbado da noite anterior, mas feliz. Nem a dor de cabeça e a ressaca o fariam perder seu bom humor. Finalmente tudo estava caminhando bem. Seu sorriso aberto fez com que algumas pessoas o estranhassem. Mas ele definitivamente não estava nem aí. Na noite anterior, todos viram sua felicidade. Ele, que era um garoto contido, resolveu sair. Quando saiu, percebeu que o problema não era a injustiça da vida, como ele tantas vezes profetizou.
Seu tio não era como os outros. Apesar da diferença de idade, parecia que suas mentes estavam conectadas de uma forma peculiar aos jovens. Eles saíam juntos, também. E compartilhavam amizades, sentimentos e filosofias. O menino sempre fazia o tio sorrir. E na maioria das vezes os motivos eram banais. O tio gostava do comportamento do sobrinho, era só isso. Descontraído, o menino se comportava como a criança que já não era, mas tinha a malícia dos adultos quando queria parecer forte. O tio exercia no menino uma espécie de fascínio velado. Embora não conseguisse compreender a profundidade de muito do que era dito por ele, o achava sempre muito inteligente, perspicaz e sensato em suas colocações.
A única coisa que ele queria era sentir-se vivo. Ele estava sim desgastado, exausto. Mas estava vivo. Tudo o que ele queria era alguém que compartilhasse com ele suas vontades e fizesse delas as próprias vontades. E eram vontades tão naturais que ele não entendia como algo tão simples podia ser tão complicado.
Tenho amigos virtuais. Amigos. Com todo o peso que essa palavra possa ter. Não, eles não são psicopatas, não têm 10 anos e nem são frutos da minha imaginação. Mas eu não quero que você acredite nisso. Eu não sei se acreditaria se não tivesse essa experiência. Agora, se você se considera uma pessoa de “mente aberta”, você deveria achar isso tão normal quanto sentar num barzinho para tomar umas cervejas.
Data de Nascimento: 21/11/1886, às 13h
Imagine-se mergulhando nas mais profundas águas. Consegue sentir a sensação de estar imerso num mundo só seu, onde não existem problemas e tudo é tranqüilo e fácil? Assim acontece com as músicas quando nós as ouvimos com um objetivo específico. Coloque um fone de ouvido, ligue aquela música que parece ter sido escrita para você e viaje. Mergulhe e sinta a sensação de que não existem problemas.